1. Poderia contarnos um pouco sobre o Projeto?
Este Projeto surgiu em 2013 no contexto político social de violência contra as mulheres na cultura machista mexicana, que promove a submissão e a discriminação contra as mulheres. O feminicídio e outros tipos de violência de gênero têm alcançado taxas alarmantes. Temos observado que existem importantes resistências inconscientes para aceitar a igualdade de direitos em muitas mulheres. Nossa hipótese inicial foi que essas resistências derivam de uma identidade feminina composta por identificações e introjeções inconscientes provenientes da cultura machista, permitindo que se internalizem padrões sociais e culturais que favorecem a perpetuação de ciclos de violência. Esta intervenção representa uma forma de unir o pensamento psicanalítico com objetivos da luta feminista em nosso país, com a intenção de influenciar essa identidade que promove o masoquismo, a passividade e a submissão a figuras masculinas e proíbe expressão assertiva de agressão em mulheres.
A lógica desse modelo se baseia na premissa psicanalítica de que os processos grupais podem permitir um espaço adequado para reconhecer, tornar consciente e favorecer mudanças na identidade feminina descrita. O grupo funciona como um espelho no qual as mulheres podem identificar esses padrões nas outras participantes e em si mesmas. A dinâmica do grupo aumenta a possibilidade de alcançar material inconsciente em um ambiente diferente da prática clínica privada, que não está disponível para a população envolvida. Ele também pode proporcionar um espaço para o testemunho, a contenção emocional, e para colocar em palavras de material traumático.
O projeto recebeu apoio governamental, foi realizado em Quintana Roo e no estado do México, com três níveis de intervenção grupal, com um quadro claro que incluía um encontro com horário e lugar fixo, compromisso de confidencialidade e outros elementos que favoreceram a coesão do grupo e contenção emocional. Deve-se esclarecer que estes não eram grupos da terapia mesmo que tivessem um impacto terapêutico para várias participantes. Foram formados:
1) Cerca de 60 grupos de contenção emocional para alunas de 15 a 18 anos de idade em escolas públicas de ensino médio e aproximadamente 700 adolescentes participaram de reuniões semanais de grupos liderados por um psicólogo escolar com importantes resultados, especialmente em Quintana Roo, onde os grupos tiveram continuidade há mais de 5 anos. Há um trabalho extensivo nesta parte do projeto em um capítulo escrito por Berman no livro “A coragem para lutar contra a violência contra as mulheres” Karnac (2011).
2) Se formaram também seis grupos de contenção emocional para as psicólogas escolares que foram expostas a material altamente traumático proveniente do trabalho com os grupos de adolescentes. Esses grupos foram coordenados por um psicanalista e uma observadora feminista, com reuniões mensais de duas horas, para aproximadamente 125 psicólogas escolares
3) Um grupo em que, em reuniões mensais, as analistas e feministas trabalharam juntas para conter o impacto da experiência de coordenar grupos, para elaborar as transferências e respostas de contratransferência e o processo paralelo detectado entre grupos nos 3 níveis de intervenção. Entre os resultados observados, descobrimos que em um ambiente de tolerância e receptividade para seus sentimentos baseados na escuta psicanalítica, ao interpretar os supostos básicos em que se encontra o grupo, as psicólogas escolares mostraram maior tolerância, capacidade de escuta e solidariedade, capacidade para superar aspectos traumáticos de suas vidas privadas, e especialmente um sentimento de pertença e esperança reapareceram em seu trabalho.
2. Seu projeto está aberto a analistas em formação? Qual é o peso que você atribui a essa experiência para alguém que está em formação?
Este projeto especificamente não foi possível abri-lo aos analistas em formação, mas eles participaram de outros projetos de intervenção na comunidade durante dois meses depois do terremoto que afetou nossa cidade em 2017. Quando os analistas em formação participam neste tipo de projeto, permite-lhes vivenciar a aplicação de uma perspectiva psicanalítica a problemas sociais importantes, utilizando enquadres claros e sem expor-se a atuações onipotentes. Fortalece sua filiação na instituição psicanalítica e favorece o desenvolvimento de uma identidade profissional firme. Recomenda-se que participem ao lado de colegas mais experientes, trabalhando em equipe, para evitar expô-los sem as ferramentas adequadas, para ambientes de crise ou violência extrema.
3. É uma luta muito grande para realizar projetos em qualquer instituição, como você realizou o trabalho em sua sociedade?
Ampiep tem um histórico de trabalho comunitário desde a década de 1970. E desde então, vários modelos de intervenção comunitária foram realizados para diferentes circunstâncias. Em geral, analistas mais experientes destinam-se a acompanhar colegas menos experientes ou analistas em formação. Este projeto criou um grupo solidário de colegas interessadas no tema e que trabalharam especialmente para a realização de um espaço de desenvolvimento conjunto.
4. As instituições psicanalíticas dão o apoio e o reconhecimento necessários?
Achamos relevante que pela primeira vez IPA e FEPAL estão dando reconhecimento a este tipo de trabalho. O reconhecimento e a difusão permitem que colegas de diferentes latitudes compartilhem experiências e também incentivem o reconhecimento do trabalho psicanalítico na comunidade para um público mais amplo, abrindo outras oportunidades de apoio de diferentes instâncias. O reconhecimento apóia o trabalho e lhe confere um marco internacional que fortalece também o intercâmbio e a pesquisa com uma perspectiva psicanalítica e interdisciplinar. Também pode contribuir para a disseminação da psicanálise como uma disciplina contemporânea atual e útil para setores mais amplos da população. É indispensável que haja mais apoio porque há projetos que são truncados devido à falta de recursos econômicos.
5. Em sua opinião, o que seria importante para a criação de novos projetos para a continuidade dos que estão em andamento?
Disseminação para projetos comunitários, além de compartilhar e trocar experiências entre colegas de vários países. É importante poder utilizar conceitos e a escuta psicanalítica para além da clínica privada, para a qual é necessária abertura, bem como não confundir os enquadres nem os objetivos da clínica privada e das intervenções comunitárias.
6. Você aredita que o prêmio IPA dará mais visibilidade a este trabalho? Quais são as suas expectativas para a mudança depois de receber o prêmio?
Esperamos que assim seja e que seja alcançado um intercâmbio com os outros colegas que também foram reconhecidos, para que possamos ser enriquecidos pelas experiências dos outros. Estamos à sua disposição para quaisquer comentários que são necessários.