Professor do Departamento de Economia da PUC-RJ – desde 1982 - , o economista e ecologista carioca, estuda as consequências econômicas e sociais da mudança climática global desde 1992, tendo participado do Executive Program On Climate Change & Development, no Harvard Institute for International Development, da Harvard University. É membro do Conselho Diretor ou Consultivo de diversas organizações não governamentais como o WWF, a CI, a Fundação Roberto Marinho, o FUNBIO, o Conselho do Museu do Amanhã – RJ, Conselho Consultivo do Censo Demográfico do IBGE, presidência do Conselho da SDSN Brasil e diversas outras. Ingressou nos quadros do BNDES ao obter o Premio BNDES para dissertações de mestrado em 1987. Foi presidente do Instituto de pesquisas Jardim Botânico, do Rio de Janeiro, de 2016 à 2020. Ganhou Prêmio Jornalista & Cia/ HSBC na categoria Especial de Personalidade do Ano em Sustentabilidade. Ganhou, em 2013, o Prêmio “Faz a Diferença” das Organizações Globo.
Emergência Climática, Desastre Climático, Catástrofe Climática. As expressões para designar o momento atual em relação às questões que afetam o ambiente mudaram. Qual o significado desta mudança e como temos respondido a ela?
As novas expressões surgiram a partir de quatro realidades. A primeira é que está se tornando muito evidente que, com a inação atual, não conseguiremos evitar um aumento de até 2 graus Celsius na temperatura média do planeta até 2100. Pode parecer que 3 graus Celsius, por exemplo, não seriam tanto assim a mais. Mas são 50% a mais. Uma analogia simples: não faça essa curva a mais de 100 km por hora que o risco de cair no abismo é grande. 3 graus Celsius equivalem a fazer a curva a 150 km por hora.
A segunda é que a boa ciência é conservadora, só afirmando projeções quando a probabilidade de estar certa é muito alta de acordo com o conhecimento disponível. A ciência dos últimos anos contou com ferramentas tecnológicas muito mais avançadas, muito mais observações e muito mais dinheiro para pesquisa. Com isso, sabemos hoje que a situação é bem mais grave do que os relatórios e artigos diziam há pouco, quando já eram acusados de “catastrofismo”.
A terceira é que o aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos, uma das consequências do aquecimento global, não são mais projeções, mas uma realidade claramente perceptível em todo o mundo, o que provoca grande impacto na opinião pública. Darwin e os estudiosos da mente humana juntos talvez possam dizer algo sobre as angústias coletivas dos Sapiens frente à grandes catástrofes naturais.
A quarta é que já não se tratam mais das “futuras gerações”. Dos pouco mais de 7 bilhões de humanos vivos, cerca de 2 bilhões estarão vivos em 2100. Suas vidas irão transcorrer, assistindo um planeta se transformar em outro (isso não é mais evitável, mesmo com 2 graus Celsius) e aos sofrimentos e perdas que ocorrerão nesse processo. Com a perversidade adicional de que os maiores sofrimentos irão se abater sobre os pobres, que estão sempre em situação mais vulnerável.
Fale – nos sobre o acordo de Paris, seus desafios e seus obstáculos
O Acordo de Paris foi muito importante do ponto de vista político, seja pela definição da meta de não ultrapassar um aumento de mais de 2 graus Celsius nesse século como pelo processo que levou à ele, com passeatas pelo mundo, a Encíclica Laudato Se do Papa Francisco , a posição do presidente dos EUA, Barack Obama , a posição da União Européia e a mudança de posição da China. Mas o mundo hoje vive o paradoxo de ter, ao mesmo tempo, grandes desafios globais e um grande déficit de governança global.
Para a direita nacionalista xenófoba, esse é, inclusive, o principal inimigo, o tal de “globalismo”. Com a civilização não dispondo de meios para enfrentar desafios globais, o Acordo de Paris fica em torno de metas voluntárias sem sanções definidas para quem não as cumprir. Não é um modelo de negócios que possa enfrentar as resistências econômicas e políticas às mudanças e funcionar efetivamente.
Não me parece mais possível atingir a meta do Acordo de Paris. A concentração de gases de efeito estufa ( GEE ) na atmosfera já ultrapassou o limite que tornaria possível acreditar em um aquecimento da temperatura média do planeta até 2100 de até 2 graus Celsius.Em 20 anos, continuando o caminho atual, já teremos atingido a concentração de GEE que torna muito provável um aquecimento de 2 Celsius. E ainda faltarão 60 anos e um crescimento populacional de mais 3 ou 5 bilhões de pessoas até 2100.
Um aquecimento de 2 Celsius é considerado o “limite do perigo”, por tudo que já sabemos que vai acontecer e, também, e talvez, principalmente, pelo que não sabemos. Um grande climatologista disse que ” Sobre o clima só há uma coisa previsível, já entramos no território do imprevisível”. Economistas distinguem risco , quando podemos atribuir probabilidades de ocorrência de um evento, de incertezas, quando isso não é possível. O numero de incertezas altamente impactantes é grande, como o descongelamento do permafrost, liberar GEEs em excesso, os mantos polares colapsarem de modo inesperado, o desmatamento levar a Amazonia a um turning point que aceleraria sua transformação em savana pobre, etc.
Ainda mais importante, os eventos climáticos extremos já começaram a aumentar sua frequência e intensidade, com grande impacto em setores da opinião pública. Portanto, já é bem objetivo considerar que as mudanças climáticas são também uma grande crise, desastre ou catástrofe, em especial para os jovens, que viverão suas vidas ao longo desse processo.
Por outro lado, em 2019, cresceram os movimentos da juventude, de consumidores e até mesmo alguns grandes investidores começaram a perceber que sem uma transição organizada para uma economia global de baixo carbono, isso acabará se impondo de forma tumultuada , o que tornará uma grande crise financeira inevitável pela súbita e imprevisível desvalorização de gigantescos ativos. A necessidade de fazer política local e global para que possa ocorrer um processo de transformação tão amplo e que contraria tantos interesses começa a ficar evidente.
Como você entende a desvalorização e exclusão da luta pela causa ambiental das demais causas sociais?
As duas narrativas que presidiram o imaginário do século passado morreram. O socialismo estatista desde a queda do muro de Berlim e o ultra liberalismo econômico com a grande recessão de 2008. Mas, na ausência de novas narrativas, ainda em germinação, permanecem nos assombrando como zumbis, ao invés de nos alimentarem como parte de uma história reconhecida. Ambas, tendo sido paridas a partir da revolução industrial e da explosão capitalista, pagam um tributo pesado à noção de progresso da era vitoriana.
Assim, os ultra liberais negam a realidade por estarem imersos naquilo que Jean Claude Carriere chamou de utopia da “técnica”, com dificuldades até para admitir o obvio em sua própria teoria: sem precificar o custo de aquecer o planeta, o mercado não tem motivação para fazer frente ao problema. Por outro lado, é crescente o movimento de empresas que se abrem à demanda de consumidores, investidores, jovens e demais stakeholders e apostam no futuro, caminham na direção de tornarem-se investimentos ESG (Enviromental Social Governance).
Quanto ao amplo espectro dos aderentes do pensamento de “esquerda”, muitos não suportam admitir que o ideário do “socialismo real” do século XX tornou-se aquilo que Habermas chamou de “territorialismo anacrônico”, sem ter nada a ver com uma esquerda do século XXI. E continuam prisioneiros de dogmas tão relacionados a maximizar a acumulação de capital quanto os ultra liberais econômicos. Por outro lado, o fato da Crise Ecológica Global atingir principal e prioritariamente aos pobres , assim como a compreensão crescente de que não é possível enfrentá-la sem reduzir a desigualdade tem levado alguns movimentos sociais, principalmente os formados pelos mais jovens, a priorizar essa causa.
Em suas palestras, partindo da noção de Antropoceno, você tem ressaltado que nos tornamos muito poderosos, porém em um espaço de tempo muito pequeno. O homem em sua arrogância narcísica se descola do ambiente a que pertence e parece desconhecer que a Terra se recompõe, quem desaparece somos nós. Neste cenário, o que podemos aprender com os Povos da Floresta?
A terra é um planetinha perdido entre mais de 100 bilhões de estrelas de sua galáxia, que está entre bilhões de galáxias do aglomerado à que a Via Láctea pertence que está entre os bilhões de aglomerados de galáxias existentes Essa é uma boa analogia para uma humanidade com 300 mil anos, perdidos entre os 13,5 bilhões de anos do universo ou os 3,6 bilhões de anos da vida no planeta terra. Se transportarmos esses tempos para um relógio de 24 horas, nós, os Sapiens, chegamos aqui nos últimos segundos.
Nas 23 horas, 59 minutos e muitos segundos antes de nosso aparecimento, a vida no planeta já passou sucessivas vezes, devido a causas naturais, por problemas incomensuravelmente maiores do que qualquer coisa que a humanidade possa fazer. Não teríamos nenhuma chance de sobrevivência se estivéssemos presentes a qualquer um desses eventos, mesmo com toda as forças que temos hoje. O que o registro fóssil nos ensina é que de 5 a 10 milhões de anos depois a biodiversidade está plenamente recuperada e certamente muito diferente.
Podemos fazer grande mal à nós mesmos e à natureza do nosso tempo curtíssimo, mas não temos poder algum no tempo longo da natureza. A humanidade, desde o monoteísmo, parece ter confundido ” imagem e semelhança de Deus” com sermos deuses. Não somos. Nossas forças são de uma coisa, as forças da história cósmica têm outra e incomparável dimensão.
Os Povos da Floresta, para além da importância das observações que fazem sobre as mudanças que estão ocorrendo em todo o planeta, tinham um conhecimento que perdemos e só começamos a recuperar na ciência ocidental há muito pouco tempo: não estamos apartados da natureza, somos parte dela. Vivemos tão imersos na biosfera como na atmosfera. Dentro de cada um dos 7 bilhões de humanos vivem centenas de trilhões de seres vivos e a medicina de fronteira considera essa mudança de paradigma (somos ecossistemas) tão promissora como a engenharia de tecidos e a biologia sintética.
É curioso, mas muito sugestivo, que nas línguas modernas essa onipotência narcísica apareça tão contundentemente: meio-ambiente, environment, Umbela, todas separando a nós , humanos , do que nos rodeia. Isso é falso, prepotente e anticientífico. Somos parte não separável. Um saber muito importante que os povos da floresta podem nos ensinar.
O escritor Jonathan Safran Foer em seu livro ” We are he Weather ; Saving the World begins at breakfast” compara a catástrofe climática ao Holocausto no que diz respeito à inacessibilidade, apontando para o conceito de negação caro à psicanálise. Pensando nestes termos, qual o papel da comunidade psicanalítica neste momento?
A ciência e o conhecimento não foram suficientes para produzir as transformações necessárias. Mais de metade das emissões de gases que aquecem o planeta ocorreram nos últimos 30 anos, quando a ciência do clima já era robusta o suficiente para evidenciar que abandonar a civilização dos fósseis é imperativo. Mais que isso, já estavam disponíveis todas as tecnologias para fazê-lo.
Devemos discutir as falhas de comunicação e como aperfeiçoar a transmissão desse conhecimento, mas não me parece que essa seja a principal causa do insucesso.
De um lado, subestimamos a resistência dos interesses econômicos e políticos. A busca do poder ou dos lucros é sempre imediatista. O CEO pode até ter visão estratégica de longo prazo, mas é avaliado e remunerado pelos balancetes trimestrais e o balanço anual. A taxa de retorno dos políticos nas democracias é o voto. Alguns podem até ser estadistas, mas seu poder depende da próxima eleição. Mas esses interesses só puderam ter sucesso em evitar mudanças reais, propagar fake news bobas sobre a ciência, ou ideias voluntaristas sugerindo que quando precisarmos vamos dar um jeito, porque há uma base mais profunda para as resistências e negações à realidade.
Essa é uma importante linha de pesquisa para os que investigam a mente e a cultura humana. Qual o solo fértil para a negação? Qual o impulso na mente humana, ignorância à parte, para tentar evitar olhar de frente à um desafio evidente e de grande impacto? Só agora essa linha de pesquisa começa a ser desenvolvida, e é grande a demanda que pesa sobre os ombros de filósofos, neurocientistas, psicanalistas e demais estudiosos da mente humana.
Tenho duas sugestões de linhas de investigação, ambas distantes das respostas. Mas, como disse o psicanalista francês André Green, ” A resposta é a infelicidade da pergunta”. Perguntas valem muito mais do que respostas, essa é a essência da ciência moderna e do Iluminismo.
A primeira diz respeito a algo caro às mães que educam seus filhos e à psicanálise (claro, essa frase pode ter algo a ver com minha mãe ter sido psicanalista): existem limites, é necessário aceitá-los. A tendência dominante da teoria econômica chegou a cair em misticismo puro tentando negar a existência de restrições impostas pelo ambiente limitado em que vivemos. A teoria econômica dominante era uma expressão maravilhosa da onipotência mágica infantil: a engenhosidade humana SEMPRE seria capaz de substituir os recursos naturais por capital humano. Isso, felizmente, ocorreu em larga escala e continua ocorrendo, mas a ideia de que é possível para SEMPRE é, obviamente, mística.
A segunda não tem a ver com o que muitos chamam de inconsciente e sim com a tentativa, ainda distante na ciência, de compreender melhor o que é a consciência. Para o neuro cientista Antonio Damásio, consciência está ligada a tempo: ” O tipo mais simples, que denomino consciência central, fornece ao organismo um sentido do self concernente a um momento – agora – e a um lugar – aqui – ; e o tipo de consciência complexa, que denomino consciência ampliada e que possui muitos níveis e graus, fornece ao organismo um complexo sentido self – uma identidade e um pessoa, você ou eu – e situa essa pessoa em um ponto do tempo histórico individual , ricamente ciente do passado vivido e do futuro antevisto, e profundamente conhecedora do mundo além desse ponto.”( Damásio, Antônio; O Mistério da Consciência, Companhia das Letras, 1999 ).
Será que do individuo podemos extrapolar para a espécie e a civilização humana e considerar que ainda não expandimos nossa consciência coletiva no tempo, mesmo porque nunca antes havíamos necessitado disso?
Nunca antes o que fazemos hoje impactava tão significativamente o amanhã. Cada geração vivia sua vida e confiava ao destino o amanhã. O capitalismo nos trouxe uma incrível melhoria nas condições de vida e bem estar dos humanos ainda que, sem acabar, apesar dos recursos para isso estarem disponíveis, com a miséria, a pobreza e a extrema desigualdade. Nos trouxe também, uma nova era em que somos poderosos o suficiente para alterar o futuro da humanidade e da natureza do nosso tempo curto, ainda que, como já vimos, permaneçamos irrelevantes e totalmente impotentes no tempo longo da natureza.
A consciência humana precisa se expandir, em uma transformação comparável ao Renascimento, com a centralidade da liberdade do individuo, ou ao Iluminismo, quando a pergunta passa a interessar mais do que a resposta. Sigmund Freud disse que a humanidade crescia quando caia do pedestal, quando era atingida em sua onipotência narcísica infantil, e que isso havia acontecido com Galileu Galilei e a descoberta de não sermos o centro do universo, com Darwin e o entendimento de que somos resultado da história natural e com ele, Freud, e a descoberta do inconsciente, embora aqui, convenhamos, haja um certo exagero narcísico.
Stephen Jay Gould, o grande paleontólogo e um dos maiores divulgadores da ciência de sempre, acrescentou que agora era preciso cair do pedestal com a aceitação do Tempo Longo. Não sabemos também o que é o tempo. A física corre atrás desse conhecimento. Muitos séculos atrás Santo Agostinho teve um insight maravilhoso: ” Existem três tempos, o tempo presente das coisas passadas, o tempo presente das coisas presentes e o tempo presente das coisas futuras.”
Expandir a consciência da espécie é aceitar a existência de limites e da morte, ampliar a compreensão desses três tempos e à luz dos conhecimentos da história agir hoje para transformar os tempos futuros. Como diz um ditado africano: ” Uma sociedade cresce quando homens e mulheres plantam arvores para dar sombra quando já não estiverem mais vivos”.
A greve global pelo clima, levou às ruas 5000 protestos em 150 países, inspirados nas ações da adolescente Greta Thumberg e contou com participação prioritária de mulheres jovens e crianças. O que se pode pensar a partir desta estatística?
Que tudo isso está apenas no seu começo.
E que é notável que as mulheres, talvez vocacionadas pela maternidade, estejam demonstrando um sentimento de responsabilidade frente às gerações futuras muito maior que os homens. E é compreensível que as crianças, além de mais abertas ao novo, estejam mais sensibilizadas pelo que será um processo determinante de suas vidas.