President’s Award: María Pía Costa (SPP)

1. Você poderia contar-nos um pouco sobre o projeto?

“Psicólogos Contigo” é uma iniciativa que surgiu há dois anos para atender às sequelas emocionais causadas pelas chuvas e inundações que levaram ao colapso da estrutura material, social e vincular de povoados inteiros, na costa norte e central do Peru.

Dadas as dimensões da tragédia, e a quantidade de pessoas necessitadas de atenção psicológica, a Sociedade Peruana de Psicanálise (SPP) considerou necessário intervir na situação. Pela primeira vez em nossa história institucional, realizou uma Convocatória ampla e estendida a todas as instituições de orientação psicanalítica de nosso meio, com a finalidade de levar adiante uma única e voluntária ação. A resposta foi positiva, entusiasta e maciça. Estiveram presentes diretores, membros, estudantes e voluntários de oito instituições de saúde mental, entre as quais a Faculdade de Psicologia de uma Universidade local, muito reconhecida.

Deu-se o nome de “Psicólogos Contigo” ao projeto, para acolher os colegas que, embora dentro de uma orientação clínica psicanalítica, não fossem necessariamente psicanalistas; e também para acolher os estudantes universitários. No entanto, a orientação do trabalho definiu-se como uma intervenção psicanalítica comunitária.

Conseguimos reunir e capacitar 88 voluntários Júniors, e 53 profissionais aos quais chamamos de Masters.

Organizamos três grupos de intervenção em Cajamarquilla, Ñaña e Barba Blanca, regiões na periferia de Lima, e particularmente afetadas pelo acontecido. Trabalhou-se em grupo com crianças e adolescentes, assim como com adultos maiores, mulheres e dirigentes locais, com a finalidade de elaborar o trauma vivido, e refazer a trama de seus vínculos familiares e comunitários. Deu-se várias sessões de assistência a eles, usando diferentes técnicas psicoterápicas. Num dos casos, o trabalho prolongou-se durante dois anos, a pedido dos próprios moradores.

Improvisamos settings de acordo com as possibilidades físicas das pessoas, mas tendo muito presente o indispensável enquadre psíquico. E foi assim que escutamos e facilitamos o diálogo, quer fosse no canto de uma barraca cheia de objetos, à sombra de uma árvore, ou enquanto se trabalhava na limpeza da lama com lâmpada na mão, ou fazendo comida na cozinha comunitária.

As crianças eram o grupo humano mais atingido e foi o grupo mais trabalhado. A ONG Mercy Corps deu à Sociedade Peruana de Psicanálise a autorização para adaptar um caderno a trabalhar, que havia sido elaborado por ocasião da quedas das Torres Gêmeas em Nova York, em 2001. Utilizando esse instrumento como modelo, elaboramos um caderno de trabalho ao qual demos o nome de “Minha história dos derramamentos de lama e inundações no Peru”; e nele adaptamos os textos e ilustrações à situação ali vivida, e ainda acrescentamos alguns temas que consideramos importantes, como os efeitos do trauma no corpo.

Este caderno foi usado em 7 colégios nos subúrbios de Lima, e aplicado a 1.825 crianças. Para isso, preparou-se um grupo de voluntários que, utilizando a técnica de modelagem, trabalhou o caderno com crianças entre 7 e 12 anos, junto com os professores da escola, e em sessões semanais.

Os resultados foram muito positivos, tanto nas possibilidades que se abriram para as crianças se expressarem e iniciarem processos de elaboração e configuração do vivido, quanto as que se abriram para os professores que, por sua vez, foram sensibilizados acerca do cuidado particular que as crianças necessitavam, frente à situação vivida.  

Depois, realizamos uma investigação que nos permitiu demonstrar o impacto favorável que este caderno trouxe, e ainda recolher uma informação valiosa sobre o os aspectos disruptivos e traumáticos da experiência vivida, nas crianças.

Para dar suporte ao trabalho, e também para ajudar a processar a experiência dos voluntários Juniors e Masters, um grupo de supervisores, membros da SPP, ofereceu supervisões semanais a eles.

Tendo já conseguido instalar essa capacidade operacional, e tendo desenvolvido estratégias de atenção e técnicas grupais, decidimos continuar o trabalho, orientando-o agora para a violência contra meninas e meninos, o que em nosso país é um assunto de emergência nacional.

Desde o ano 2018 temos utilizado em nosso trabalho, estratégias baseadas em arte, jogo e ritual. Elas têm permitido viabilizar a criação de metáforas e experiências vinculadas à violência na escola, nos modos de criação, assim como na violência sexual.

Com esta experiência adquirida, decidimos buscar uma maior penetração de nosso trabalho através dos canais do Estado. Estamos desenvolvendo junto ao Ministério da Educação do Peru, um programa de prevenção à violência infantil.

O projeto começará com crianças de 3 a 5 anos, com a intenção de estendê-lo no próximo ano para crianças de 6 a 8 anos, e assim sucessivamente.

Começaremos com algumas escolas em Lima, mas com a ideia de ir ampliando essa cobertura e também capacitando os professores, para assim ampliar o alcance do projeto a nível nacional.

2. Seu projeto está aberto aos analistas em formação? Qual é o peso que você atribui a esta experiência, para alguém que está em formação?

O projeto já inclui os analistas em formação, que inclusive participam muito ativamente nele, trazendo energia e juventude.

Como se trata de um projeto voluntário, sua participação não é obrigatória e nem faz parte da formação em curso. No entanto, dado que somos conscientes da importância deste tipo de atividade para o treinamento e formação, estamos pensando em incluir no Currículo do Instituto um Curso de Psicanálise Comunitária, que oxalá logo se torne realidade.

3. Como é uma luta muito grande implementar novos projetos em qualquer instituição, como se realizou esse trabalho em sua Sociedade?

Considerando que o trabalho se iniciou a partir de uma emergência climática muito alarmante, a acolhida e a resposta dos membros e candidatos da Instituição foram bastante positivas, assim como a dos membros de outras Instituições que se juntaram ao projeto.

E já com as atividades em andamento, foram os próprios voluntários que pediram a continuação do projeto, voltando-o para outra emergência, mais permanente e grave, como o é a violência contra a infância.

Posso dizer então, que foi a própria satisfação com a tarefa que gerou o desejo, impulso e compromisso em continuar e ampliar o projeto.

4. As instituições psicanalíticas têm dado o apoio e o reconhecimento necessários?

O prêmio IPA na COMUNIDADE é o maior reconhecimento que pudemos receber, e que nos anima a continuar trabalhando, e com a convicção de que estamos no caminho correto.

5. Em sua opinião, o que seria importante para a criação de novos projetos para a continuidade dos que já estão acontecendo?

Importante é a convicção de que a Psicanálise deve ter olhos para a comunidade e responder às suas necessidades, assim como deve assumir a liderança nas atividades das instituições psicanalíticas, e promover ações nessa direção.

6. Você acredita que o prêmio IPA dará mais visibilidade a este trabalho? Quais são suas expectativas de mudança, depois de receber o prêmio?

Sim… definitivamente o prêmio recebido já dá visibilidade ao trabalho em comunidade, e penso que inspira possibilidades e iniciativas de gerar espaços, ações e projetos que permitam aos psicanalistas e aos analistas em formação, encontrar meios para desenvolver um trabalho sério na comunidade, utilizando a escuta psicanalítica, a qual implica uma maneira própria de entender o sofrimento humano, e também uma maneira de trabalhar os afetos envolvidos nesse sofrimento, dando-lhes sentido. Tudo isto supõe criatividade para gerar espaços e atividades fora do setting “divã”, e que supõem entender o processo analítico e seu enquadramento como funções inerentes e internas do analista.

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