Detalhe da capa do livro “Self, Trauma e Identidad“.
“À parte a nostalgia e os desejos de me transladar no tempo, no fundo nós criamos um jogo com a ideia da morte e como vencê-la através da literatura.”
Ramon Arturo Mon Pinzón é psicólogo clínico e psicanalista da SPM-Parque do México e de ApsaA, assim como é membro da IPA e da FEPAL. Publicou dois livros que agrupam trabalhos e lembranças de sua formação: “Self, Trauma e Identidade” (2018) e “Sonhos e realidade dos Filhos do Dragão”, (2019). Mantém consultório na cidade do Panamá, onde ensina no Grupo de Estudos Psicanalíticos do Panamá.
1. Qual é a relação entre literatura e psicanálise?
A relação é recíproca. A Psicanálise, melhor dizendo, os psicanalistas, desde Freud, têm se valido da literatura para o aprofundamento do conhecimento da alma. Do mesmo modo, os escritores, depois do mestre, têm se nutrido para escrever suas obras sobre o conhecimento dos conflitos da mente.
A boa literatura ajuda a esclarecer nossa posição frente aos problemas que os pacientes colocam, a partir do vértice das relações humanas. A validade da literatura nesse sentido reside na possibilidade de nos permitir discordar ou repensar a ação e os personagens a partir do silêncio da nossa leitura, sem perturbar o processo relacional. Podemos deixar de ler, deixar o livro quando quisermos e retomar também quando nos apraz, coisa que não podemos fazer com as pessoas que estão em tratamento psicanalítico. Parafraseando Freud no seu “Um distúrbio de memória na Acrópole”, uma narrativa nos translada a outro tempo por ser “algo inverossímil e irreal que abarca a minha pessoa, o relato e a percepção de mim mesmo”.
2. Como a literatura de ficção influencia seu trabalho como psicanalista?
Muito, influencia muito. Além de ser um passatempo muito prazeroso, na minha leitura vou imaginando os personagens, calibrando o que dizem, procurando entender as motivações que os animam a pensar ou a atuar, sem saber o final. Em muitas ocasiões pensei num personagem da literatura para compreender a totalidade do que o paciente está vivendo ou relatando e ocasionalmente fiz uso do personagem para explicar o que estou percebendo e solicito ao paciente a confirmação das minhas intuições, de modo geral, se revela magnífico.
3. Qual obra ou autor da literatura lhe inspirou a ser criativo em seu trabalho?
Não posso assinalar um autor em especial, mas devo destacar alguns: Marcel Proust e sua “Em busca do tempo perdido”, as novelas de Ernst Hemingway e suas andanças por um mundo que já não existe, como em “Paris está em festa”. Do mesmo que em “Doze contos peregrinos” de Gabriel García Marquez e “Uma crônica de uma morte anunciada” para chegar a uma extraordinária obra de Marguerite Yourcenar nas “Memórias de Adriano”.
Todas estas obras tem um elemento em comum: a nostalgia. São interessantes para mim e me ajudam na memória, porque entendo e desfruto de suas passagens recontadas, nas quais as emoções expressam e relatam o vivido, como na psicanálise. À parte a nostalgia e os desejos de me transladar no tempo, no fundo nós criamos um jogo com a idéia da morte e como vencê-la através da literatura. Um jogo criativo que nasce do espaço potencial, que se alcança com a teoria que nos deixou Winnicott.
Lorena Polo
lorenapolo@hotmail.com