Caros colegas,
Um evento extraordinário como o Covid19 converteu-se em uma tragédia humanitária, e em poucas semanas todo o planeta sofreu seu impacto. As medidas de prevenção e cuidado tem colocado à prova todos os sistemas e coletivos humanos. A responsabilidade, como resposta comprometida para salvar vidas, acima de qualquer outro valor, e a restrição de autonomia e do espaço social, como medida da atenuação das curvas de crescimento do flagelo, tem estado no centro das questões mundiais.
Frente à ameaça que representa deixar o vírus a cargo de si mesmo, temos tido que mudar a vida na pólis, o modo com que nos vinculamos e circulamos. A humanidade inteira teve que se despojar de seus paradigmas de convivência, e em poucas horas mudou o cotidiano, os laços com os outros, os modos de expressar e de fazer circular o afeto e a forma de nos relacionarmos.
Mais do que nunca nos vemos confrontados com a insuficiência e com a vulnerabilidade dos sistemas que pareciam seguros e nos davam uma frágil tranquilidade. Imaginávamos estar imunes, à prova de tudo para, repentinamente, nos encontrarmos com o Real sem véus e com a dimensão da carência e da fragilidade que nos tem deixado inermes. Todas as coordenadas, espaciais e temporais mudaram. O que era importante ontem, hoje tem que ser revisado. Resignificamos velozmente o que eram nossos passos anteriores para um futuro incerto.
Como psicanalistas não estamos distanciados desses impactos.
Nestes momentos, evidencia-se a impossibilidade de separar o sujeito da malha social e coletiva. No entanto, será sempre um caminho singular, o que cada um faz para elaborar e atravessar a angústia, a incerteza, a postergação, a alteridade. Não há modelos ou protocolos para esta tarefa e o trabalho na análise pessoal será o modo de sustentar a função do psicanalista e a escuta de cada analisando, mesmo quando não se dispõe do refúgio dos consultórios.
O dispositivo analítico, sustentado em nossas análises e nos espaços coletivos de reflexão com nossos colegas, será o suporte da função analítica e uma possibilidade para o trabalho com o inconsciente, ainda que os settings tenham que ser reinventados.
Nesse contexto, tivemos que repensar os projetos que tínhamos destinado para Calibán e adequá-los a estes tempos dinâmicos e inconstantes.
Paixão já está pronta, à espera de ser entregue nas sociedades, o que ocorrerá assim que estas reabram suas portas. Esperamos que chegue em breve às suas mãos.
É gratificante que um número importante de colegas tenha se interessado em receber o novo número de Calibán, o que torna esperançoso o momento da chegada da revista aos leitores.
Num momento em que o inesperado se torna tão evidente e impositivo, desejamos abrir espaço para a escrita em tempos de assombro. Para isto publicaremos no site de Calibán “Notas para um mundo transtornado”, com textos pontuais sobre o atual e inquietante cenário que se desvenda diante de nós, sugerindo que a escrita possa ser uma maneira de encontro e superação das distâncias.
Estamos voltados para a edição do próximo número Fronteiras, acompanhando o Congresso de setembro, assim como, seguindo adiante, abrimos o prazo para a recepção de trabalhos para a edição 17, O Efêmero.
Acreditamos que a proposta deste número sobre O Efêmero, pode inspirar os analistas, motivando-os a escrever e refletir sobre nossa prática inserida nos novos desafios e
paradigmas deste tempo.
Precisamos de leitores aguçados, para novos efeitos de escritura. Convidamos vocês a escreverem e a nos enviarem seus trabalhos.
Equipe editorial de Calibán, RLP