Diversas configurações sexuais e de gênero é o tema atual do Conexão FEPAL. Como nas edições anteriores, nossa equipe editorial aposta pela fertilidade dos diálogos com outros campos de produção de conhecimento. Nessa dinâmica, imagens e palavras compõem uma rede que convoca novas conexões, convida a olhar o mundo em seu caráter mutável, tensionando o que fora introjetado pelo tecido da cultura como convenção. Se a psicanálise abriu caminhos com a bissexualidade psíquica e a sexualidade perversa polimorfa, que novos passos devemos dar atualmente?
A capa desta publicação apresenta um detalhe da obra Polimorfismo, que faz parte da série “As máscaras do inconsciente” (2023), da artista Carla Tomllenovich, também psicanalista em formação (APC). A diversidade e sobreposição de planos, a representação na pintura onde outros corpos e sujeitos podem ser imaginados, o colorido multifacetado, o desejo. Ao longo de sua carreira, a artista foi aprimorando sua percepção do sofrimento alheio, explorando inicialmente a temática dos imigrantes, depois com elaborações estéticas de corpos fragmentados e rostos deformados. Ela experimenta continuamente, reinventa texturas e aumenta os aspectos sensoriais de sua obra. Com a psicanálise, diz, “o impacto do inconsciente produziu uma nova explosão nas minhas pinturas e a aposta foi feita em um forte diálogo entre a imagem, o inconsciente, o contexto e o outro/os outros”. A arte é um convite, uma direção. A eficácia da imagem está no aguçamento do olhar, na descoberta de uma janela aberta para a surpresa de perceber que o que vemos, afinal, está olhando para nós.
Quatro Perspectivas iluminam o tema desta edição. Três delas destacam a necessidade de revisão do referencial teórico psicanalítico para repensar e acomodar em nossa clínica as diversas configurações sexuais e de gênero que exigem ser ouvidas. A pergunta de Natalia Mirza Labraga – em seu artigo A sexualidade interpela novamente a psicanálise – é um convite provocativo à reflexão: “Estaremos preparados para reinventar nossas formulações sem perder o potencial subversivo com que surgiram e sem perder sua capacidade heurística dentro da própria psicanálise?” Com argumentos sólidos apresentados em Psicanálise e gênero: Escuta das dissidências e criação de uma nova epistemologia, Mariana Pombo ressalta a importância de adotar uma perspectiva histórica da diferença sexual e de rever as marcas patriarcais, coloniais e heteronormativas na abordagem das experiências de dissidência e de mutação. José Galeano vai na mesma direção. O autor de Notas sobre as configurações sexuais e de gênero diversas propõe “ampliar o conceito de diferença como acesso ao campo simbólico e aos laços sociais, [e, assim] situar no campo da diversidade o que estava inserido no campo da psicopatologia”. Esta seção culmina com o ensaio de Mónica Santollalla, intitulado De lógicas, espaços e tempos justapostos. Sexualidades diversas. No coração do texto bate com força uma ideia que a autora articula com sua clínica: “a convivência justaposta de identificações fragmentárias, heterogêneas, opostas, que não se resolvem umas pelas outras, mas buscam, atreladas ao desejo, uma convivência que implica luto, perdas (…) sem que seja necessário ou possível qualquer integração”.
No texto de Interseções intitulado Não fomos longe demais? Provocações em torno da linguagem inclusiva, Luciana Almada e Facundo Boccardi – especialistas em Comunicação Social –, retomam o panorama da Revolução Francesa e o gesto político da ativista Olympe de Gouges, que fundamentou a linguagem inclusiva em sua crítica ao androcentrismo. No entanto, procuram “suscitar a reflexão, mais do que citar manuais de estilo”. Nesse sentido, instigam um pensamento de “des-aprender os modos de produzir conhecimento”, a partir da “tarefa contínua e sempre comovedora de construir (e nomear) outros mundos (im)possíveis “. Que estratégias temos para lidar com o pânico linguístico que insiste no binarismo? Como podemos “inventar outros usos imaginativos que não estão ligados apenas às palavras, mas
também axs corpxs e aos prazeres “?
Na seção Conversações apresentamos um novo episódio do projeto “Em Língua Viva: FEPAL Hoje”. Nesta ocasião, o diálogo com a atual Diretora do Conselho Profissional da FEPAL, María Pía Costa Santolalla (SPP), nos permite conhecer um pouco mais sobre as funções dessa área, as ações realizadas e as propostas para o futuro com relação ao desenvolvimento profissional, à preservação da ética e à geração de um espaço para pensar com outros colegas sobre os desafios que enfrentamos no exercício de nossa profissão.
Em Marcadores de Calibán, Samantha Nigri nos convida a navegar por artigos – publicados na revista – de autores latino-americanos que mergulharam nas profundas águas e no mistério “das sexualidades que nos são impostas, em um contínuo refazer-se”.
Esperamos que essas interessantes contribuições cheguem até vocês, enriqueçam o pensamento, ampliem as perspectivas e contribuam para uma maior abertura na escuta.